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Peritos silenciosos, impacto forte – Mulheres na fronteira forense das STEM

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Quando a maioria das pessoas pensa em carreiras STEM, imagina laboratórios de alta tecnologia, algoritmos complexos ou engenharia futurista. Raramente pensam em cenas de crime, vestígios de ADN ou na composição química de substâncias desconhecidas. No entanto, algumas das aplicações mais poderosas da ciência e da tecnologia não acontecem à frente de um ecrã, mas nos bastidores – em laboratórios forenses, relatórios toxicológicos e investigações balísticas.

Estes são os motores ocultos da justiça e da segurança – disciplinas em que a ciência se alia à segurança pública. Apesar do seu papel crucial, áreas como a ciência forense e a criminalística continuam a estar sub-representadas nos debates sobre STEM, e as mulheres continuam a navegar por lacunas de género profundamente enraizadas, especialmente em funções de liderança e inovação.

A STEM forense precisa de mulheres

Por detrás de cada caso resolvido há uma cadeia de decisões científicas: um toxicologista que identifica uma substância letal, um perito em balística que analisa a trajetória da bala, um analista de ADN que liga um suspeito a uma cena do crime… e muitos mais. Estas não são cenas de dramas televisivos. Trata-se de ciência real com impacto no mundo real, que exige precisão, integridade e mentes analíticas aguçadas.

No entanto, apesar do interesse crescente das jovens mulheres, muitas ainda são desviadas destes caminhos STEM desde cedo – dizem-lhes que são “demasiado difíceis”, “demasiado técnicos” ou simplesmente “não são para raparigas”. As que entram neste domínio enfrentam frequentemente outro desafio: serem vistas como assistentes e não como cientistas.

Mas os dados contam uma história diferente. Atualmente, as mulheres representam mais de 70% dos técnicos de ciências forenses nos EUA – uma das únicas áreas STEM em que as mulheres são uma maioria no nível de entrada. E, no entanto, quando se olha para os cargos de liderança, para a investigação publicada ou para a inovação forense, os números invertem-se: os homens dominam os escalões superiores. A mensagem? As mulheres estão a fazer o trabalho, mas não estão a obter o reconhecimento ou as oportunidades para moldar o futuro da área. A consequência é mais do que injusta – é uma oportunidade perdida. As mulheres trazem perspetivas essenciais para áreas como a ciência forense centrada na vítima (vitimologia), o tratamento ético de provas e a conceção de sistemas que protegem tanto a justiça como a privacidade. O mundo STEM forense não precisa apenas de mais mulheres. Precisa de mais mulheres a liderar, a investigar e a transformar a ciência da segurança.

Ciência forense = STEM em ação

Poucos campos captam todo o poder das STEM como a ciência forense. Reúne disciplinas que são demasiadas vezes mantidas em caixas separadas. A biologia e a química conduzem a análise do ADN, a toxicologia e a serologia. A física explica a trajetória das balas e a geometria dos padrões de salpicos de sangue. A matemática e a estatística são utilizadas para calcular a probabilidade de uma correspondência de ADN ou para avaliar a fiabilidade das provas de impressões digitais. E a engenharia e a tecnologia desempenham um papel cada vez mais importante na investigação forense digital, na imagiologia forense e na reconstrução de cenas de crime.

Não se trata de STEM em teoria, mas em ação – ciência que responde a problemas da vida real com consequências no mundo real.

E, no entanto, apesar da sua natureza profundamente científica, o trabalho forense raramente é comercializado como uma via STEM para as raparigas. É muitas vezes colocado nas categorias “justiça criminal” ou “aplicação da lei”, separando-o da identidade científica que merece. Como resultado, muitas raparigas com interesse pela ciência não se apercebem de que uma carreira forense pode ser o seu caminho – combinando capacidades analíticas com um impacto social significativo. Esta invisibilidade não limita apenas as opções de carreira. Afecta a seriedade com que as jovens são encaradas quando entram nesta área. Quando não apresentamos a ciência forense como uma parte essencial das STEM, reforçamos a ideia de que se trata de um ramo secundário – não um lugar para a inovação, a liderança ou carreiras científicas a longo prazo. E isso tem de mudar!

Mulheres que reescreveram as regras da ciência forense

Se a ciência forense é verdadeiramente STEM em ação, porque não ouvimos falar mais das mulheres que a construíram?

A verdade é que elas estiveram sempre presentes. Antes de a ciência forense se tornar o tema de programas policiais e de cursos universitários, algumas mulheres corajosas já estavam a fazer o trabalho – e a fazê-lo de forma brilhante.

Veja-se Frances Glessner Lee, por exemplo. Numa época em que as mulheres nem sequer eram bem-vindas nos tribunais, construiu minuciosas cenas de crime em miniatura – não como um passatempo, mas como uma ferramenta de formação de base para investigadores de homicídios. Os seus modelos, conhecidos como Nutshell Studies of Unexplained Death, ainda hoje são utilizados. Ela não ensinou apenas aos detetives como olhar – ensinou-os a ver.

Fonte: https://www.harvardmagazine.com/2005/09/frances-glessner-lee-html

Ou Margaret Pereira, que passou a sua carreira a fazer o sangue falar. Pioneira na serologia forense, desenvolveu novas formas de analisar e interpretar provas de sangue, muito antes de existirem os testes de ADN. O seu trabalho lançou as bases dos modernos laboratórios criminais e mudou a forma como a justiça é feita no Reino Unido e não só.

Fonte: https://www.theguardian.com/science/2017/jan/26/margaret-pereira-obituary

Depois, há a Dra. Candice Bridge – uma força dos tempos modernos na química forense. Sendo uma das primeiras mulheres nos EUA a obter um doutoramento em ciência forense, não só inova na análise química, como também orienta ativamente a próxima geração de cientistas de comunidades sub-representadas. Defende veementemente uma maior diversidade e inclusão na investigação científica.

Fonte: https://www.ucf.edu/news/ucf-forensic-science-helps-set-standards-educate-public-on-real-csi/

Estes não são apenas nomes em livros didácticos. São a prova de que as mulheres sempre pertenceram à STEM forense – não apenas participando, mas sendo pioneiras.

Um domínio baseado na justiça, mas nem sempre justo

Para uma profissão enraizada na verdade, nas provas e na justiça, a ciência forense continua a ter profundas desigualdades estruturais.

As mulheres podem constituir a maioria dos técnicos forenses de nível inicial – mas isso não significa igualdade. Os homens continuam a ter mais probabilidades de serem promovidos, de ocuparem cargos de chefia, de publicarem investigação e de conduzirem investigações de grande visibilidade. De facto, estudos mostram que, mesmo em locais de trabalho forenses maioritariamente femininos, os homens ganham mais em média e são mais frequentemente vistos como os “peritos padrão” nos tribunais e nos meios de comunicação social.

Há também o impacto emocional. As profissionais forenses do sexo feminino – especialmente as que trabalham com casos delicados – relatam frequentemente níveis mais elevados de stress, trauma vicário e esgotamento, mas recebem menos apoio do que os seus colegas do sexo masculino. E quando se pronunciam sobre preconceitos ou desigualdades, arriscam-se a ser vistas como “difíceis” e não como profissionais que defendem a mudança.

Estes problemas não são isolados – são sistémicos. E ignorá-los prejudica não só a igualdade de género, mas também a credibilidade e os padrões éticos da ciência forense no seu todo.

Porque é que as mulheres são importantes nas STEM forenses – e porquê agora

Não se trata apenas de justiça. Trata-se de melhor ciência, melhor justiça e uma sociedade mais segura.

As mulheres trazem perspetivas essenciais para a ciência forense, especialmente em áreas que se cruzam com o trauma, a vulnerabilidade e a complexidade humana. Em domínios como a investigação forense de agressões sexuais, a investigação de violência doméstica ou a identificação de vítimas, o envolvimento de mulheres não é opcional – é fundamental. A sua presença conduz frequentemente a um tratamento mais sensível das provas, a uma compreensão mais profunda do contexto e a abordagens que respeitam tanto a exatidão como a dignidade.

Mas não se trata apenas de empatia. Tem a ver com inovação. A investigação mostra que equipas científicas diversificadas resolvem problemas mais rapidamente e de forma mais criativa. Quando as mulheres contribuem para os métodos forenses, a análise de casos ou os quadros éticos, ajudam a expor pontos cegos e a desafiar práticas desatualizadas – tornando o sistema mais forte para todos.

E depois há a confiança. A ciência forense é frequentemente a palavra final em tribunal. Quando metade da sociedade não se vê representada nos laboratórios que estão por detrás desse veredito, a confiança no sistema é afetada. A representação gera credibilidade: na ciência, na justiça e nas instituições que dependem de ambas.

Se queremos um futuro em que a ciência forense seja mais avançada, mais ética e mais humana – então precisamos de mais mulheres não só no campo, mas a liderá-lo.

Rumo a um futuro mais igualitário nas STEM forenses

A ciência forense é mais do que microscópios e relatórios de laboratório. Tem a ver com verdade, confiança e responsabilidade. E se queremos que esses valores moldem o futuro desta área, precisamos que as pessoas que a dirigem os reflitam.

As mulheres já provaram que pertencem à STEM forense – como cientistas, líderes e agentes de mudança. Mas pertencer não é suficiente. O que é necessário agora é reconhecimento, oportunidade e mudança estrutural. Isso significa desmantelar o preconceito de género, apoiar a progressão na carreira e garantir que as jovens vejam estas carreiras não só como possíveis, mas também como poderosas.

O projeto 4equality é um passo em direção a esse futuro. Ao criar ferramentas, orientação e sensibilização para os preconceitos de género em sectores dominados por homens e orientados para o futuro, ajuda a abrir portas que muitas vezes permanecem fechadas.

A ciência da justiça não se pode dar ao luxo de deixar ninguém para trás. Muito menos as mulheres que estão prontas para a levar por diante.

Bibliografia:

  1. Barbaro, A. (2019). Mulheres na ciência forense: Um panorama internacional. Forensic Science International: Synergy, 1, 137-139.
  2. Universidade Estadual de Michigan. (2016, 18 de agosto). Cientistas forenses do sexo feminino mais stressadas do que os homens. MSU Today. https://msutoday.msu.edu/news/2016/female-forensic-scientists-more-stressed-than-males/ (acesso em 2 de junho de 2025)
  3. Penn State University. (2012, 6 de agosto). Pergunta de sondagem: As mulheres dominam o campo da ciência forense? Penn State News. https://www.psu.edu/news/research/story/probing-question-do-women-dominate-field-forensic-science/ (acesso em 2 de junho de 2025)
  4. Rushton, C. (2014). Por que mais mulheres estão buscando diplomas de pós-graduação em ciência forense em vez de outros cursos STEM. Marshall University Forensic Science Center. https://www.marshall.edu/forensics/files/Rushton-STEM-Poster-10-Feb-CR-edit.pdf (acesso em 2 de junho de 2025)
  5. Ward, J., Johnson, R. N., & Wilson-Wilde, L. (2019). Equidade de género: como se saem as ciências forenses? Australian Journal of Forensic Sciences, 51(Suppl. 1), S263-S267. https://doi.org/10.1080/00450618.2019.1568556  (acesso em 2 de junho de 2025)